Tese indica que o eucalipto agrava o déficit hídrico no semiárido e ambientalistas defendem proibição de novos plantios. Produtores negam danos e rechaçam proposta
Quase cinco décadas depois do início de sua implantação, a monocultura de eucalipto se tornou o principal fator de deterioração dos recursos hídricos no semiárido mineiro, afirma o técnico Walter Viana, responsável pela Fiscalização Ambiental na Superintendência de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (Supram) do Norte de Minas e autor de tese sobre a desertificação na região. Como medida para combater o déficit hídrico provocado por essa cultura, ambientalistas defendem a proibição de novos plantios na região, enquanto empresas reflorestadoras negam os danos e rechaçam a proposta, lembrando que o setor responde por 9% do Produto Interno Bruto (PIB) mineiro.
DEFESA
A diretora-executiva da Associação Mineira de Silvicultura ( AMS), Adriana Maugeri, disse desconhecer a existência de estudos que mostrem consumo elevado de água pela cultura do eucalipto. “Essa informação não procede de forma alguma. O estudo de que temos conhecimento revela que o consumo de água do eucalipto é como o de qualquer outra cultura, como a soja e o café, por exemplo. Também depende de vários fatores, como o tipo de solo”, argumentou Adriana, sem, no entanto, citar números.Ela disse reconhecer o problema da crise hídrica e o agravamento da situação no Norte do estado, onde são visíveis os sinais de desertificação. “Como foi escrito na própria Carta das Águas, o problema é consequência das alterações climáticas e de vários fatores ao longo dos anos, inclusive do próprio aumento do consumo humano (de água). Toda atividade tem seus impactos. Não se pode apontar um único culpado”, defendeu a diretora-executiva da AMS.
Adriana Maugeri afirmou que a AMS é frontalmente contra a ideia de qualquer suspensão de novos reflorestamentos de eucaliptos no semiárido mineiro. “Os plantios de eucaliptos no estado são feitos com manejo sustentável e correto”, assegurou, lembrando que a Associação de Silvicultura conta com 21 reflorestadoras que têm certificação internacional (FSC) pelo manejo sustentável de florestas. Ela ressaltou ainda que a manutenção da atividade é de fundamental importância para a economia do estado, tendo em vista que o setor gera 379 mil empregos diretos e indiretos e responde por 9% do PIB mineiro.
CARÊNCIA DE CHUVAS Além do desastre ambiental provocado pela monocultura do eucalipto, os rios e córregos do Norte do Estado e o Vale do Jequitinhonha tiveram o volume diminuído por causa da drástica redução de chuva nas duas regiões nos últimos seis anos. Estudo divulgado pela Semad revela que 2013 para cá a situação se agravou nas bacias dos rios São Francisco e Jequitinhonha porque o volume pluviométrico entre os meses de outubro e março (período chuvoso das duas regiões) ficou muito abaixo da média histórica. No ano chuvoso 2014/2015, o volume de chuvas foi 26% a menos do que o esperado.
O Norte de Minas é uma das regiões mineiras onde a população mais sofre com a crise hídrica, que afeta toda Minas Gerais, com 265 municípios em emergência, como mostrou revelou o Estado de Minas, em sua edição de segunda-feira.
Carta das águas
Confira as medidas propostas para conter o avanço dos danos ambientais no Norte de Minas
1 – Proibição de novas áreas para plantios de eucalipto;
2 – Monitoramento dos níveis freáticos para que haja novos parâmetros para emissão de outorga no Norte de Minas;
3 – Ampliação do Parque Estadual Veredas do Peruaçu, a partir da aquisição de terras de proprietários que têm dívidas com o estado e estão dispostos a negociar;
4 – Criação do Parque Estadual de Botumirim, importante reserva para a manutenção da biodiversidade e dos mananciais hídricos;
5 – Criação da Unidade de Conservação de Pandeiros, o pantanal mineiro.
Palavra de especialista
Maria das Dores Magalhães Veloso, pesquisadora em ecologia da Unimontes
O rastro da crise
“A crise hídrica tem deixado um rastro de desespero nas comunidades rurais, como os veredeiros e geraizeiros. Com o secamento dos rios e pequenos córregos não há como essas pessoas executarem as atividades mínimas de que um ser humano precisa. Em sua grande maioria, essas comunidades são abastecidas por carros-pipas, com restrições de armazenamento, ou percorrem longas distâncias para buscar água, tomar banho, lavar roupas etc. Algumas famílias de veredeiros estão abandonando suas terras, pequenas glebas, e migrando para a periferia das cidades, vivendo de forma miserável, sem nenhuma orientação ou ajuda, criando um novo sistema de favelas. As vítimas da seca no sertão norte-mineiro não são apenas as populações. Ela tem afetado de forma ímpar a biodiversidade. É perceptível o secamento das veredas, uma vez que com o rebaixamento do lençol freático. Acarreta na morte de espécies vegetais adaptadas a solo úmido. Nesse contexto, tanto a fauna quanto a flora do cerrado norte-mineiro tendem a desaparecer em um curto prazo, o que, consequentemente, implica processo de desertificação.”